Madrugada. É quando a maior parte das luzes das casas e prédios de escritórios se apagam que a gente vê melhor. Da esquina da minha rua, na beira de uma ladeira que desce, em algum ponto entre o sul e o leste, a gente vê, perfeita e claramente, as luzes da Paulista.
As torres de rádio se iluminam, coloridas, formando uma linha reta quase flutuante sobre os edifícios escurecidos onde as decisões da vida e da morte são tomadas. Ao pé da Acrópole, as luzes da cidade se estendem, se espalham, rumando todas, por caminhos mais ou menos tortuosos, para a Avenida. Logo abaixo de mim (mas a muitos metros, quilômetros de distância), um automóvel solitário segue como uma formiguinha, por entre as galerias tortuosas, brilhantes de luzes amarelas. As luzes do meu bairro também seguem nessa direção, como todos os caminhos que levam à mesma Roma. Os ônibus, os carros, os trens do metrô embaixo da terra, todos parecem vir e voltar dos lugares vários que dizem nos letreiros, mas não se engane: é para lá que eles vão.
Cada luzinha de cada janela de cada quarto, uma pessoa ou mais. Cada poste aceso é uma casa, duas, várias famílias. Cada estrela opaca do chão é uma ruma de gente, e todos, sem exceção, mais dia menos dia, andarão ao rumo da nossa Roma, da nossa Acrópole, da Avenida que guarda o nome de todos nós.
O céu começa a clarear. As estrelas opacas do chão vão se apagando, perdendo o brilho no brilho da estrela maior que desponta do leste. A linha perfeita de torres da Avenida vai se misturando aos pixels coloridos, que formam, de longe, o mosaico cinza da nossa cidade.
As pessoas acordam e tomam, cada uma, seu próprio rumo. De ônibus, de carro, nos trens do metrô embaixo da terra, todos parecem vir e voltar dos lugares vários que dizem nos letreiros. Nem todos sabem, nem todos percebem, nem todos vão, declaradamente, para lá, mas não se engane: todos, por caminhos mais ou menos tortuosos, mas sem exceção, todos vão em direção à Avenida.
Aqueles que tomam as decisões da vida e da morte em nome de todos nós estão ali, sob a coroa das torres de rádio, protegidos dentro dos edifícios espelhados por sobre as sete colinas de Roma, que são uma só, que é o próprio Olimpo. São muitos, têm seguranças, têm vidros blindados e saguões de mármore com circuito interno de vídeo, têm recepcionistas bonitas e educadas que não deixarão ninguém subir com más intenções. São muitos e têm os raios de Zeus à sua disposição.
Mas a memória da madrugada recente nos lembra que cada janelinha de cada quarto em cada prédio e casa ao pé da colina tem uma centelha do fogo de Prometeu em si, e que cada pequeno lume vai em não outra direção que não a da nossa Avenida. A Avenida que é nossa, que guarda em seu nome o próprio nome de todos nós. Eles são muitos, é verdade, e estão entre as muralhas de vidro espelhado guardados pelos raios de Zeus. São muitos – mas nós somos todos.