As chaves do armário da sala de vídeo eram guardadas com zelo por
nosso velho, nosso querido professor. A gente sempre soube sobre o
nosso querido professor. Aquela ínfima caída não intencional da
voz no fim das frases, a insistência em não olhar – em
deliberadamente desviar o olhar das pernas e bundas dos rapazes na
quadra do colégio, essas pequenas coisas que a gente que tem olhos
para ver sempre acaba enxergando. Quando soubemos que ele morava com
a mãe – um homem solteiro e de meia idade que ainda mora só com a
mãe – todos nós demos a nossa risadinha secreta. E quando um de
nós o viu – e estava certo, era ele – descendo a Vieira rumo ao
Arouche, vestido com roupas demais para o calor e se esgueirando nas
sombras, todos nós já tínhamos certeza. São coisas pequenas
demais para provar alguma coisa por si, mas o conjunto não nos
escapava, não a nós que sabíamos ver. Boi preto, eles dizem,
conhece boi preto.
No dia em que arrombaram o armário da sala de vídeo, o nosso
querido professor estava inconsolável. Derrubaram ou jogaram a nossa
velha TV de tubo, os cacos da tela espalhados no chão, sem conserto.
Levaram o DVD chinês que sempre dava problema, que deve valer, com
sorte, umas dez pedras no mercado negro local. Nem olharam, nem
tocaram, no nosso obsoleto videocassete
Não era o prejuízo, a gente dava um jeito, a APM, uma festa, uma
rifa, a gente sempre dava um jeito. Não era a confiança nele, a
fechadura foi arrombada, não se tinha nem o que dizer. Era a
invasão, que era como se fosse uma invasão ao seu próprio mundo –
ao seu espaço, à sua privacidade, àquilo tudo que ele guardava com
tanto zelo. Um mundo obsoleto e que ali, dentro do nosso mundo,
talvez não valesse tanto. Mas era o seu mundo, e não cabia à gente
julgar.
Houve um tempo em que um videocassete valia muito.
Houve um tempo em que um segredo desses acabava com a vida de uma
pessoa. Dependendo de onde for, ainda acaba.
Tudo o que queríamos era abraçar o nosso velho, nosso querido
professor e dizer que estava tudo bem, que a gente dava um jeito, a
gente sempre dá um jeito. Mas não podíamos, jamais poderíamos,
não sem que ele antes nos desse a chave.
Sabia que tanta criatividade só podia estar aliada a grande sensibilidade.
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