Incrível é abrir a
janela e ver um sol vermelho no horizonte leste em vez do branco
habitual, ver uma massa fofa de todos os tons escuros de verde em
lugar do colorido cinza habitual. Incrível é quando a rua
movimentada em frente é um grande pátio de terra batida e o tráfego
é feito de homens e mulheres vermelhos de corpos nus. Incrível o
seu apartamento confortável no oitavo andar ser uma casa térrea,
incrível que sua janela seja uma porta escavada no pau-a-pique
porque sua casa não tem janelas. Incrível que seu teto branco com
molduras de gesso hoje seja feito de palha e madeira entrelaçada,
incrível que o piso de porcelanato fino sob os seus pés seja terra
batida. Incrível que o seu carro e seu sapato apertado hoje sejam
esse mesmo par de pés vermelhos de pele grossa, com terra vermelha
embaixo das unhas, incrível que suas mãos vermelhas de palmas
brancas tenham calos grossos e ainda mais terra por sob as unhas.
Incrível sua gravata ser hoje um desenho intrincado de grafismos de
preto e vermelho. Incrível que sua agenda apertada para hoje seja a
roça de manhã e a pesca de tarde, que seu almoço de negócios seja
um prato de farinha de mandioca e carne moqueada, que seu café seja
a água fresca com gosto de barro da moringa vermelha. Incrível que
seu sofá e TV da noite sejam uma dose de cauim e um grande caminho
de brasas vermelhas que você atravessa com seus pés vermelhos,
incrível a dor dos primeiros passos, incrível o medo, a vontade de
desistir em tão poucos segundos. Incrível como você deixa de olhar
as brasas e seus pés e olha o rosto dos outros homens, das outras
mulheres, vermelhos das brasas vermelhas, e você avança. Incrível
como as brasas não esfriaram, mas você, você é vermelho como as
brasas, vermelho como todos os outros, quente como todos os outros,
você é quente como as brasas e por isso não sentirá, você é o
próprio fogo, você passa. Incrível que caia de joelhos ao fim do
caminho, em meio aos uivos primais de alegria de seus companheiros
vermelhos, incrível que eles te apanhem e o sentem num banco
vermelho em forma de onça e que venha um velho enfeitado de penas e
riscos no corpo com uma enorme faca de pedra, incrível que seus
companheiros te firmem pelos dois braços para não deixá-lo fugir,
incrível que a moça vermelha dos peitos bonitos segure seu lábio
para baixo e o velho vem, o velho e a faca, rasgando seu lábio num
jorro de sangue vermelho e tudo o que fazem para estancar é colocar
lá uma enorme presa de algum animal. Incrível o seu chefe, te
olhando torto na manhã seguinte e seu colega ao lado perguntando se
o piercing doeu.
Fala sério. Quem foi o guimarães ou saramago que escreveu isso em você? Incrível, como sempre.
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