terça-feira, 25 de novembro de 2014

rio

um galho no rio
    cai encalha em pedra
um galho no rio
    desce engancha à margem
um galho no rio
    corre o rio e vai

vai
se incha e se afunda
e se forma em fendas
    se conchas se encaixam
    se algas se agarram
    se fungos do fundo se o tomam
desfaz

dissolve e coagula
e de galho morto
se luz em raiz

terça-feira, 11 de novembro de 2014

lânguidas sombras se estendem
na acídia luz da manhã

o chão escuro
coberto em frio
acorda aos poucos
     na morna canção do sol

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

pavana

aquelas caras todas na estação
nenhuma é sua
aqueles rostos todos passageiros
nenhum é seu
no trem que passa aos trancos nos dormentes
em cada linha
no fim da linha encontro a sua mão
tão quente e fria
a linha só termina pra quem vive
o tempo ainda circula sob o chão

o chão que piso é onde você mora
permeia
e voa no deserto com o vento
areia
descendo pelo meio da ampulheta
fumaça
que embaça o vidro e some como veio

sábado, 6 de setembro de 2014

queria escrever um poema bonito
um delito escrito de fundo erudito

tentei escrever um poema sem jeito
preceito direito com tanto defeito

eu quis escrever um poema de amor
a pena uma faca que tira um tumor

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

esfinge

eu quero te decifrar como quem decifra a esfinge
te dissecar como quem disseca um rato
te entender como quem entende um poema
que não se entende

a esfinge se atira do precipício.
o rato está morto.
e o poema, iluminado pela razão,
o poema morre.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Tradução - A Mulher - Alice Moore Dunbar-Nelson

O diretor literário do clube se levantou, limpou a garganta, ajustou a gravata, fixou firmemente seus olhos no jovem à sua frente, e, com uma voz sonora, um pouco marcada por seu ceceio habitual, perguntou: “Senhor ——, o senhor poderia por favor nos dizer sua opinião sobre se as chances de casamento de uma mulher aumentam ou diminuem quando ela se torna uma igual ao homem como trabalhadora remunerada?”
A secretária ajustou seus óculos e segurou o lápis de maneira alerta sobre o caderno, pronta para anotar qual o lado que sr. —— tomaria. O sr. —— se mexeu, levantou-se de um golpe só, e finalmente deu sua opinião. Outro senhor fez o mesmo, e outro, aí as mulheres se interpuseram, e pularam nos homens, os homens retaliaram, uma guerra de palavrório se seguiu, e todo o assunto se encerrou com nada sendo decidido, pró ou contra – o que em geral é o caso nessas guerras de palavrório. Moi? Bem, eu fiquei pescando e não disse nada, mas todo o tempo ali algo estava se formando em minha mente, bem, não se formando, já estava lá. Era isso: por que uma mulher com bom salário deveria se casar? Pegue a mulher trabalhadora mediana de hoje em dia. Ela trabalha de cinco a dez horas por dia, fazendo algum trabalho a mais às vezes, é claro. Seu trabalho termina e ela vai para casa ou para a pensão em que mora, conforme o caso. Suas refeições são preparadas para ela, que não tem que se preocupar com trabalho doméstico, nem com jantares problemáticos para um marido que procura pelo em ovo, nem com crianças irritantes para testar sua paciência, nem com economias mesquinhas no arroz e feijão. Esta mulher tem suas preocupações, seus problemas monetários, suas dívidas e seus pão-durismos, é verdade, mas eles só a tornam mais independente, em vez de reduzi-la a um nível mortal de desespero. Seu dia de trabalho termina no escritório, escola, fábrica ou loja; o resto do tempo é dela, sem ser perturbado pelo vai e vem sem descanso das preocupações de um lar, e ela pode empregá-lo em distrações mentais ou sociais. Ela não depende dos caprichos de um homem mal-humorado para levá-la às diversões que desejar. Aqui, no século dezenove, ela é livre para ir onde bem entender – sendo um lugar de boa moral – sem comentários alheios. Teatros, concertos, palestras e as diversões mais leves de seu círculo social estão abertos a ela, que pode ir pra onde quiser, ver e ser vista, admirar e ser admirada, apreciar e ser apreciada, sem nenhum pensamento perturbador sobre o leite do bebê ou o café do marido.
Os rendimentos da mulher são só dela, de maneira incontestável, sem reservas, sem dividir. Ela sabe com certeza o quanto pode gastar, quão bem pode se vestir, até onde o dinheiro vai dar. Se houver um vestido, um livro, uma partitura, um buquê ou móvel que quer, ela pode comprar, e não precisa pedir conselho a ninguém, nem dar indiretas ao João que a Dona Fulana comprou um lindo chapéu novo, e tem um ainda mais lindo e mais barato na Qualquer Coisa Ltda. Para um espírito independente, há algo de humilhação e de orgulho ferido no ato de pedir dinheiro, sejam cinco centavos ou quinhentos dólares. A mulher que trabalha não conhece tal aflição; ela só tem que consultar sua própria conta, e pronto. No verão ela pega as economias do inverno, faz a mala e viaja, pouco ou muito, e não tem ninguém para lhe dizer não – nada para chateá-la a não ser o excesso da própria bagagem. Há um balanço independente, feliz, livre e simples no movimento de sua própria vida. Sua mente é constantemente ampliada pelo contato com o mundo quando trabalha, e pelos melhores pensamentos das pessoas vivas e mortas que encontra em livros e periódicos nos momentos de lazer, assim como pelos estudos da natureza ou contato com outras comunidades quando viaja. Ela não abusa da liberdade que tem, porque adquiriu, na escola ou na vida, fortes hábitos de autoconfiança e autossuficiência, pensamento honesto, discernimento profundo, e acredita convictamente que a liberdade mais perfeita é o estado em que a humanidade obedece estritamente e se conforma, sem desvio, às leis mais adequadas ao seu avanço mútuo.
E por isso a nossa mulher trabalhadora independente contemporânea se aproxima ao máximo possível do ideal de autoconfiança. Então por que ela deveria se apressar em desistir dessa liberdade por uma servidão, às vezes agradável, é verdade, mas que tão frequentemente se torna irritante e difícil de encarar?
Não é o casamento que censuro, até porque não creio que nenhuma pessoa sã faria isso, mas essa casamentaria por atacado de meninas adolescentes, essa pressa em se embarcar num plano desconhecido de vida para evitar o trabalho. Evitar trabalho! Qual a dona de casa que se atreve a ter um momento para si mesma?
Casamentos podem ser feitos no céu, mas muito frequentemente são consumados bem aqui na terra, baseados num desejo masculino de tomar para si os atrativos físicos de uma mulher, como uma criança deseja um brinquedo, e um amor inato das mulheres pelos homens, um desejo louco de não ser ridicularizada pelos tolos como uma “solteirona”, e um certo desdém delicado pelo trabalho do mundo – preguiça é um bom nome para isso. A atração de mente para mente, a capacidade de um complementar as luzes e sombras do outro, a habilidade de preencher as obrigações de marido ou de esposa – estas qualidades não entram no contrato. É por isso que temos juizados de divórcio.
E então a nossa mulher independente vai ganhando conhecimento e experiência em cada ano de sua vida repleta, rica e completa, aprendendo sobre a humanidade, e, particularmente sobre o outro sexo, até para evitar ter ídolos com pés de barro, e finalmente, quando ela consente em carregar o jugo sobre seus ombros, pode até fazer isso com menos romance e encantamento que suas irmãzinhas que caçoam dela, mas com a certeza de uma felicidade sólida e mais duradoura. Por que ela deveria ter tido pressa; foi tudo perdido com o atraso?
“Dizem” que os homens não admiram este tipo de mulher, que eles preferem uma criatura mais suave, delicada, conquistada, insensata, que se aninha nos braços dos homens, concorda com tudo o que dizem, e olha para eles como uma raça de deuses que foi solta nesta terra para a edificação da mulher. Bem, talvez seja verdade, mas há uma coisa positiva, eles certamente respeitam as mulheres independentes, e a admiram, também, ainda que à distância, e isso é alguma coisa. Por outro lado, não importa o quanto uma mulher é sensata sobre outras questões, quando se apaixona ela é tola o bastante para ver em seu adorado um verdadeiro Salomão. Carícias? Ora, ela pode presidir convenções, gesticular com sua sombrinha em reuniões de conselhos, circular pelas ruas pedindo assinaturas, brandir o lápis de correção num santuário editorial, martelar numa máquina de escrever, manchar seu nariz com tinta de uma forma cheia de tipos de impressão, guiar ideias infantis pelos caminhos tortuosos de g-a-t-o e r-a-t-o, defender um réu, ou segurar o bisturi na sala de autópsia, e ainda assim, quando o momento certo chegar, ela vai se afundar graciosamente no abraço masculino do amado, enlaçá-lo com seus braços, e se aconchegar tão calorosa e docemente a seu peito quanto aquela sua irmãzinha que não fez nada além de pensar em, sonhar com e treinar para este momento. Isso vem naturalmente, como se vê.

Original

domingo, 17 de agosto de 2014

tradução - e.e.cummings - a função do amor é inventar desconhecimento

a função do amor é inventar desconhecimento

(sendo sem desejo o que se conhece;e o amor sendo todo desejo)
ainda que viva-se a vida do avesso,o tal-qual sufoca o sem-igual
a verdade se troca por fato,os peixes se gabam da pesca

e o homem é presa de vermes(o amor talvez não se importe
se o tempo vacila, se a luz se decai, medidas se torcem
nem se encante se um pensamento pesa uma estrela
os medos morrem por último,e menos,quando a morte termina)

que sorte têm os amantes(que são servos
do que ainda está por ser descoberto)
cuja incultura,ao respirar,ousa esconder
mais que a mais fabulosa sapiência teme ver

(que riem e choram)que sonham,criam e matam
enquanto o mundo se move;e nenhuma peça sai do lugar:

___________________

original:

love's function is to fabricate unknownness

(known being wishless;but love,all of wishing)
though life's lived wrongsideout,sameness chokes oneness
truth is confused with fact,fish boast of fishing

and men are caught by worms(love may not care
if time totters,light droops,all measures bend
nor marvel if a thought should weigh a star
—dreads dying least;and less,that death should end)

how lucky lovers are(whose selves abide
under whatever shall discovered be)
whose ignorant each breathing dares to hide
more than most fabulous wisdom fears to see

(who laugh and cry)who dream,create and kill
while the world moves;and every part stands still:

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Veredas que se bifurcam: os labirintos do tempo em Ana Cristina Cesar

 A chamada "geração marginal" é, em essência, o que Heloísa Hollanda1 chama de um "surto de poesia" que acometeu o país nos anos 70. Ana Cristina Cesar é taxonomicamente classificada como parte desta geração, mas a verdade é que ela entra posteriormente, tardiamente, como um ponto fora da curva. Os marginais, de modo geral, tentavam reproduzir a experiência imediata, a fragmentariedade da realidade em seus poemas. Mas Ana C. sabe que o real é uma impossibilidade. A experiência pura, sem mediação, é impossível, estaremos sempre sujeitos, no mínimo, ao filtro da cultura, do zeitgeist, e o registro dela ainda é outra mediação, que passa pelo filtro da linguagem. Diante da impossibilidade do real, a autora sai de cena e cria um universo artificial. Sua poesia é um construto.