Chuva
É janeiro. Mas pode ser fevereiro, março, até dezembro. O sol das
quatro da tarde parece tão quente quanto o do meio dia, a luz é
intensa, as sombras são duras. Mesmo o ar é denso, antes de começar
a correr.
O vento sopra; vêm nuvens. Em muito pouco tempo, a ríspida luz da
tarde suaviza, enfraquece. Pode ser que mesmo as células
fotossensíveis dos postes de luz os façam acender. Antes que o
asfalto tenha tempo de se molhar, brotarão os vendedores de
guarda-chuva em cada esquina, nas saídas do metrô, como fungos na
umidade.
As primeiras gotas gordas logo se tornam um fluxo contínuo, severo,
ruidoso. As pessoas correm a se abrigar nas marquises, toldos, lojas,
botequins. O vento faz a chuva quase horizontal; mesmo usando
sombrinha, poucos se arriscam. A enxurrada já preencheu toda a
sarjeta e começa a engolir a calçada. Há quem suba nos bancos dos
pontos de ônibus para se proteger; os que ficaram no chão já
sentem as meias encharcando como esponjas. Pragueja-se.
Andressa cobre os cabelos com um saco de supermercado e jura que é a
última vez. Assim que receber, marca a progressiva. Everton, do
escritório sem janelas, nem percebe que chove e que não vai poder
sair para fumar assim que acabar esse relatório.
Amizades se formam sob a chuva; o primeiro assunto será sempre a
própria, mas outros vêm. Marluce e Beto, sob o mesmo toldo,
começariam com o inevitável, que chuva, né?, e descobririam que
torcem para o mesmo time, gostam das mesmas músicas, e que suas
famílias vêm mais ou menos da mesma região do interior. Não têm
como saber ainda que irão morar juntos dali a um ano e meio, ela
grávida de um menino.
Acaba o horário de expediente; a chuva, não. Pontos de alagamento
se proliferam, férteis, o rio enche a olhos vistos. Os ônibus, com
as janelas fechadas e turvas, estão repletos. Dentro, o ar é
quente, úmido, pantanoso. Isabel nem sabe se chegará à tempo para
a prova na faculdade, mas tenta estudar; o barulho do celular de
André não deixa. Os alto-falantes pulsam num pancadão primal, os
golpes da percussão entremeados por palavras que fariam a mãe lhe
dar um tapa na boca.
A Marginal segue repleta de estrelas, brancas de um lado, vermelhas
do outro. Pouco se movem, mas como buzinam. O rio, descorado e
pestilento à luz do dia, torna-se, à noite, um largo espelho negro,
refletindo as fileiras ordenadas de sóis amarelos, tremeluzentes,
dos postes que iluminam.
Elisa tem frio e uma cama vazia. Mira a janela dali do nono andar:
tudo escuro demais, feio demais, e os carros parados teriam que
contemplar o seu triste espetáculo por tempo demais. Desse jeito,
não. Pelo menos, não hoje.
Ainda bem. O trânsito nunca mais ia andar.
Que bonitinho :D
ResponderExcluirAdorei =)
ResponderExcluiradorei o momento
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