terça-feira, 12 de outubro de 2010

Chuva


 Chuva

É janeiro. Mas pode ser fevereiro, março, até dezembro. O sol das quatro da tarde parece tão quente quanto o do meio dia, a luz é intensa, as sombras são duras. Mesmo o ar é denso, antes de começar a correr.
O vento sopra; vêm nuvens. Em muito pouco tempo, a ríspida luz da tarde suaviza, enfraquece. Pode ser que mesmo as células fotossensíveis dos postes de luz os façam acender. Antes que o asfalto tenha tempo de se molhar, brotarão os vendedores de guarda-chuva em cada esquina, nas saídas do metrô, como fungos na umidade.
As primeiras gotas gordas logo se tornam um fluxo contínuo, severo, ruidoso. As pessoas correm a se abrigar nas marquises, toldos, lojas, botequins. O vento faz a chuva quase horizontal; mesmo usando sombrinha, poucos se arriscam. A enxurrada já preencheu toda a sarjeta e começa a engolir a calçada. Há quem suba nos bancos dos pontos de ônibus para se proteger; os que ficaram no chão já sentem as meias encharcando como esponjas. Pragueja-se.
Andressa cobre os cabelos com um saco de supermercado e jura que é a última vez. Assim que receber, marca a progressiva. Everton, do escritório sem janelas, nem percebe que chove e que não vai poder sair para fumar assim que acabar esse relatório.
Amizades se formam sob a chuva; o primeiro assunto será sempre a própria, mas outros vêm. Marluce e Beto, sob o mesmo toldo, começariam com o inevitável, que chuva, né?, e descobririam que torcem para o mesmo time, gostam das mesmas músicas, e que suas famílias vêm mais ou menos da mesma região do interior. Não têm como saber ainda que irão morar juntos dali a um ano e meio, ela grávida de um menino.
Acaba o horário de expediente; a chuva, não. Pontos de alagamento se proliferam, férteis, o rio enche a olhos vistos. Os ônibus, com as janelas fechadas e turvas, estão repletos. Dentro, o ar é quente, úmido, pantanoso. Isabel nem sabe se chegará à tempo para a prova na faculdade, mas tenta estudar; o barulho do celular de André não deixa. Os alto-falantes pulsam num pancadão primal, os golpes da percussão entremeados por palavras que fariam a mãe lhe dar um tapa na boca.
A Marginal segue repleta de estrelas, brancas de um lado, vermelhas do outro. Pouco se movem, mas como buzinam. O rio, descorado e pestilento à luz do dia, torna-se, à noite, um largo espelho negro, refletindo as fileiras ordenadas de sóis amarelos, tremeluzentes, dos postes que iluminam.
Elisa tem frio e uma cama vazia. Mira a janela dali do nono andar: tudo escuro demais, feio demais, e os carros parados teriam que contemplar o seu triste espetáculo por tempo demais. Desse jeito, não. Pelo menos, não hoje.
Ainda bem. O trânsito nunca mais ia andar.

3 comentários: