Um catador. Franzino e triste, sentado numa marquise, espera a chuva
passar. As pernas, magriças, se cruzam na altura da canela; uma das
mãos repousa sobre o colo, a outra cai, de lado, como a de um
paciente terminal num hospital orwelliano. A carrocinha de tração
humana descansava, canga para cima; seu cão, quase um pastor,
dormitava embaixo, na calçada, na paz de quem se deita num leito de
seda e jasmim.
A cara do homem, da mesma cor que a do cão, tinha a barba crescida,
grisalha, três dias. Na expressão repleta de linhas - leitos de
ribeirões já secos - a melancolia de um palhaço infeliz, a boca
curvada para baixo, a fronte em ponta para cima. A figura era coroada
por um insólito chapéu, tipo panamá, cor de camelo, em
surpreendente bom estado comparado às suas roupas, cinzentas e
rotas.
Cinzento e roto era o céu, passada a treva da chuva, cinzento e roto
o asfalto. Cinzenta e rota a marquise do edifício onde o catador,
com seu empoeirado traje e sua barba gris, se mescla e se mimetiza às
cinzas da cidade.
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