sábado, 29 de setembro de 2012

work in progress - o lobisomem


Embaixo das carnes rosadas, expostas no lugar de honra, ficavam as partes estranhas e desprezadas do animal. Uma massa vermelha de fígados brilhantes; as tripas brancas retorcidas como um ninho de serpentes; cabeças inteiras, de olhos fechados e vazios, rodeadas de ervas aromáticas, como se a decoração verde e viçosa pudesse de alguma maneira melhorar o aspecto da carcaça. Num canto da vitrine, uma mórbida massa de órgãos diversos era vendida a preço baixo com o nome de fressura, em todos os tons entre o branco, o rosa e o vermelho.
No meio da carnificina, uma pilha de órgãos rosados e brilhantes chamava a sua atenção. Amontoados ordenadamente, com suas enormes artérias e o branco dos músculos lisos, os corações. Vendidos por quilo.
Cada um daqueles pedaços de músculo brilhante que era a raiz da vida de um animal, cada um deles estava ali, reunido, como em um ritual asteca de purificação. Aqueles pedaços de músculo morto, sem pulso, que poderiam ser - que eram como se fossem - o dele, o pequeno músculo do tamanho de um punho fechado que lhe sustentava a vida.
Levou a mão ao peito. Como um napoleão, esgueirou a mão por entre dois botões da camisa, abrindo um deles com a pressão involuntária. Sentia bater. Rápido, irregular, mas batia.
Cravou as unhas na carne e arrancou de lá seu pequeno órgão de músculo pulsante. Veio quente, sem dor. A massa de artérias e veias ainda emaranhada, não podia puxar muito. Olhava para ele na concha da mão, contraindo, expandindo, contraindo, expandindo, olhava a vitrine dos corações brilhantes. Um deles, bem no topo, um belo coração rosado e sem defeitos, parecia ter se mexido; o coração quente na mão ainda pulsava. Não era impressão, aquele coração morto ali no topo da pilha de sacrifícios tinha sim se mexido - estava batendo, muito suavemente, mas estava batendo. Seu coração ali na concha da mão parecia esfriar, ou era sua mão que se acostumava à temperatura?
O coração da vitrine ganhava confiança. Um novo viço de sangue fresco havia surgido, como se corasse. As batidas agora eram claras, perceptíveis.
Se sentiu tonto. O coração na sua mão estava esfriando, não havia dúvida. E batia mais fraco, a força das contrações não se sentiam mais, eram quase como o pulso fraquinho dos dois dedos sobre uma veia na pele. Enquanto isso, o coração da vitrine brilhava, mais forte, batia com ruído audível, mesmo atrás da parede de vidro, se levantava, se emaranhava de veias, se ligava a todos os órgãos e músculos expostos ali, formando uma enorme quimera, uma hidra de vários corações e cabeças e pernas de vários animais, com as minúsculas asas sem penas de aves que jamais voaram. O coração frio em suas mãos secava como uma fruta podre. Sentiu a vista enevoar. Sentiu uma mão no seu braço.

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