Embaixo
das carnes rosadas, expostas no lugar de honra, ficavam as partes
estranhas e desprezadas do animal. Uma massa vermelha de fígados
brilhantes; as tripas brancas retorcidas como um ninho de serpentes;
cabeças inteiras, de olhos fechados e vazios, rodeadas de ervas
aromáticas, como se a decoração verde e viçosa pudesse de alguma
maneira melhorar o aspecto da carcaça. Num canto da vitrine, uma
mórbida massa de órgãos diversos era vendida a preço baixo com o
nome de fressura, em todos os tons entre o branco, o rosa e o
vermelho.
No
meio da carnificina, uma pilha de órgãos rosados e brilhantes
chamava a sua atenção. Amontoados ordenadamente, com suas enormes
artérias e o branco dos músculos lisos, os corações. Vendidos por
quilo.
Cada
um daqueles pedaços de músculo brilhante que era a raiz da vida de
um animal, cada um deles estava ali, reunido, como em um ritual
asteca de purificação. Aqueles pedaços de músculo morto, sem
pulso, que poderiam ser - que eram como se fossem - o dele, o pequeno
músculo do tamanho de um punho fechado que lhe sustentava a vida.
Levou
a mão ao peito. Como um napoleão, esgueirou a mão por entre dois
botões da camisa, abrindo um deles com a pressão involuntária.
Sentia bater. Rápido, irregular, mas batia.
Cravou
as unhas na carne e arrancou de lá seu pequeno órgão de músculo
pulsante. Veio quente, sem dor. A massa de artérias e veias ainda
emaranhada, não podia puxar muito. Olhava para ele na concha da mão,
contraindo, expandindo, contraindo, expandindo, olhava a vitrine dos
corações brilhantes. Um deles, bem no topo, um belo coração
rosado e sem defeitos, parecia ter se mexido; o coração quente na
mão ainda pulsava. Não era impressão, aquele coração morto ali
no topo da pilha de sacrifícios tinha sim se mexido - estava
batendo, muito suavemente, mas estava batendo. Seu coração ali na
concha da mão parecia esfriar, ou era sua mão que se acostumava à
temperatura?
O
coração da vitrine ganhava confiança. Um novo viço de sangue
fresco havia surgido, como se corasse. As batidas agora eram claras,
perceptíveis.
Se
sentiu tonto. O coração na sua mão estava esfriando, não havia
dúvida. E batia mais fraco, a força das contrações não se
sentiam mais, eram quase como o pulso fraquinho dos dois dedos sobre
uma veia na pele. Enquanto isso, o coração da vitrine brilhava,
mais forte, batia com ruído audível, mesmo atrás da parede de
vidro, se levantava, se emaranhava de veias, se ligava a todos os
órgãos e músculos expostos ali, formando uma enorme quimera, uma
hidra de vários corações e cabeças e pernas de vários animais,
com as minúsculas asas sem penas de aves que jamais voaram. O
coração frio em suas mãos secava como uma fruta podre. Sentiu a
vista enevoar. Sentiu uma mão no seu braço.
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